Texto de Lucia Fidalgo
"Dizem que as mulheres sem maridos apareciam na beira do Rio Amazonas para escravizar os homens desejados por elas. Os índios as chamavam de “Icamiabas”.
Eram mulheres lindas, altas, esbeltas, formosas… Seus longos cabelos negros eram trançados em volta da cabeça.
Viviam em grupos formando uma nação independente e dominadora e só formada por mulheres. Mulheres… Belas mulheres que possuíam escravos de várias tribos indígenas.
Em casas feitas de pedra e cercadas de muros altos viviam resistentes e intocáveis.
Mulheres corajosas eram essas, ágeis e terríveis… mulheres guerreiras.
Lutavam com valentia e ferocidade. Manejavam o arco e a flecha com extrema perícia.
Quando lutavam, atacavam tribos vizinhas e escravizavam os homens que eram muito castigados, porém as mulheres da tribo nada sofriam.
Mas como tudo tem seus dias de calmaria, uma vez por ano elas se casavam com “índios guacaris”. Dessa forma evitavam que a tribo desaparecesse. Porém o casamento durava só um dia, para que pudessem engravidar dos seus maridos.
Quando nasciam meninas, todas eram criadas como rainhas, para que pudessem manter as tradições das “Icamiabas”. Porém, quando por azar do destino eram meninos que nasciam, estes eram cruelmente sacrificados, ou entregues aos seus pais quando por lá apareciam.
Mas era quando Jaci, a lua, aparecia junto à cabeceira do rio, que as mulheres sem maridos dançavam, cantavam e faziam oferendas coroando-se com flores em uma bela dança selvagem. A festa acontecia sempre antes do casamento e antes que a lua atingisse o alto do céu, as “Icamiabas” iam até o lago com potes de perfumes que derrubavam na água para purificá-la. E à meia-noite mergulhavam no fundo do lago e de lá traziam uma terra verde, com a qual modelavam rãs, peixes e tartarugas. Esses bichos viravam amuletos da sorte, chamados “Muiraquitã”.
Os Muiraquitãs depois de secos e endurecidos eram oferecidos aos “índios guacaris”que os penduravam em seus pescoços para terem muita sorte.
Assim os homens com seus amuletos no pescoço fugiam para bem longe dessas mulheres… belas… cheias de coragem… e sonhavam com o dia em que novamente poderiam encontrá-las para serem amados por durante uma longa noite de amor na beira do rio Jamundá, o grande espelho da lua..."
Essa é uma lenda de origem amazônica, recontada com minhas palavras e com algumas reticências. Inicio esse texto com uma história, para trazer a questão da oralidade na sala de aula. A importância do trabalho com a oralidade fica clara para quem compreende que ela pode contribuir também para a formação do leitor. Não digo que ela seja a única e mágica forma de se fazer isso, mas é um caminho para uma aproximação entre leitor e livro, ou outro objeto de leitura que próximo dele esteja. Aprender a atuar com várias linguagens e com a oralidade é dar voz ao silêncio calado que impera muitas vezes nas escolas.
Quando falo em oralidade, não falo apenas de traços presentes nas histórias escritas em papel ou das histórias contadas de boca em boca, mas falo também das histórias anônimas de alunos feitas com palavras que querem, muitas vezes, gritar por socorro. Há histórias dentro deles que a escola não conhece, às vezes não aproveita e não faz delas exercícios de escuta do que o outro tem a dizer, mas sim do que o aluno aprendeu – ou não - a escrever, privilegiando a escrita sobre a oralidade.
Privilegiar a escrita pode significar manter postura repressiva sobre as falas,ou mesmo não entender que falar e escrever são práticas que se completam e andam juntas na formação e no entendimento do aluno leitor –esse aluno que ao entrar na escola traz um acervo constituído ou em processo, mas que não pode ser menosprezado na sua formação e no seu entendimento do mundo. E Paulo… o Freire, disse tanto sobre a leitura desse mundo. Mas há tantos Paulos que querem dizer e ninguém escuta.
Cabe, então, à escola pensar em ações pedagógicas que respeitem a expressão oral trazida pelos alunos, e que se adequem aos conhecimentos necessários para a realização das atividades didáticas propostas por ela. Não quero defender aqui a escolarização da leitura, mas quero sim uma leiturização da escola. Ver nascer uma escola que lê, e que também é lida por seus alunos, professores, serventes, inspetores.
Descobrir onde foi que essa escola se calou, onde foi que ela aprisionou os seus desejos…Conceituar os fenômenos da linguagem, pensar sobre isso para entender os silêncios pré-estabelecidos e as línguas que desapareceram, melhorando assim a capacidade de compreensão e expressão do universo escolar. Dizem que quando o livro fez sua primeira aparição, Sócrates rejeitou-o por considerá-lo inferior à conversação.
Mesmo assim o livro chegou, não apagou a palavra, não silenciou o discurso, mas sim o ampliou, não houve morte alguma. Outros produtos industriais chegaram e chegam todos os dias. Há uma diversidade de suportes para carregar as palavras; novas tecnologias batem em nossas portas sem que a gente tenha tempo de decifrar cada uma delas. Mesmo assim as conversações continuam, as vozes voam longe, mesmo que algo queira por alguns instantes calá-las.
Talvez seja a força das Icamiabas que, com os muiraquitãs, possa espalhar a coragem pelos guerreiros que estão por aí lutando. Chamo aqui de guerreiros os professores, mediadores de leitura, que não podem dar mais do que tem, mas podem se entender também como leitores, entender que os leitores nunca deixam de nos surpreender e podem, em suas leituras, encontrar suas fantasias inventivas, se deixando levar pelas águas dos rios perfumados pelas Icamiabas, embalados pelo desejo de um novo encontro de amor entre o leitor e suas leituras.
Lúcia Fidalgo escreveu a obra Passo a passo no compasso publicada pela RHJ. Segundo a autora "No livro Passo a passo no compasso, de Lúcia Fidalgo, o cenário da sala de aula com seus conflitos e diferenças vai sendo contado pelo olhar do aluno criador que tenta falar sobre talentos diversos na sala de aula e sobre como é importante o professor reconhecer isso e perceber que a sala de aula é um caleidoscópio de idéias pensantes e pulsantes. Comparações entre os diferentes talentos não devem existir, pois viva a diferença!"
Quando falo em oralidade, não falo apenas de traços presentes nas histórias escritas em papel ou das histórias contadas de boca em boca, mas falo também das histórias anônimas de alunos feitas com palavras que querem, muitas vezes, gritar por socorro. Há histórias dentro deles que a escola não conhece, às vezes não aproveita e não faz delas exercícios de escuta do que o outro tem a dizer, mas sim do que o aluno aprendeu – ou não - a escrever, privilegiando a escrita sobre a oralidade.
Privilegiar a escrita pode significar manter postura repressiva sobre as falas,ou mesmo não entender que falar e escrever são práticas que se completam e andam juntas na formação e no entendimento do aluno leitor –esse aluno que ao entrar na escola traz um acervo constituído ou em processo, mas que não pode ser menosprezado na sua formação e no seu entendimento do mundo. E Paulo… o Freire, disse tanto sobre a leitura desse mundo. Mas há tantos Paulos que querem dizer e ninguém escuta.
Cabe, então, à escola pensar em ações pedagógicas que respeitem a expressão oral trazida pelos alunos, e que se adequem aos conhecimentos necessários para a realização das atividades didáticas propostas por ela. Não quero defender aqui a escolarização da leitura, mas quero sim uma leiturização da escola. Ver nascer uma escola que lê, e que também é lida por seus alunos, professores, serventes, inspetores.
Descobrir onde foi que essa escola se calou, onde foi que ela aprisionou os seus desejos…Conceituar os fenômenos da linguagem, pensar sobre isso para entender os silêncios pré-estabelecidos e as línguas que desapareceram, melhorando assim a capacidade de compreensão e expressão do universo escolar. Dizem que quando o livro fez sua primeira aparição, Sócrates rejeitou-o por considerá-lo inferior à conversação.
Mesmo assim o livro chegou, não apagou a palavra, não silenciou o discurso, mas sim o ampliou, não houve morte alguma. Outros produtos industriais chegaram e chegam todos os dias. Há uma diversidade de suportes para carregar as palavras; novas tecnologias batem em nossas portas sem que a gente tenha tempo de decifrar cada uma delas. Mesmo assim as conversações continuam, as vozes voam longe, mesmo que algo queira por alguns instantes calá-las.
Talvez seja a força das Icamiabas que, com os muiraquitãs, possa espalhar a coragem pelos guerreiros que estão por aí lutando. Chamo aqui de guerreiros os professores, mediadores de leitura, que não podem dar mais do que tem, mas podem se entender também como leitores, entender que os leitores nunca deixam de nos surpreender e podem, em suas leituras, encontrar suas fantasias inventivas, se deixando levar pelas águas dos rios perfumados pelas Icamiabas, embalados pelo desejo de um novo encontro de amor entre o leitor e suas leituras.
Lúcia Fidalgo escreveu a obra Passo a passo no compasso publicada pela RHJ. Segundo a autora "No livro Passo a passo no compasso, de Lúcia Fidalgo, o cenário da sala de aula com seus conflitos e diferenças vai sendo contado pelo olhar do aluno criador que tenta falar sobre talentos diversos na sala de aula e sobre como é importante o professor reconhecer isso e perceber que a sala de aula é um caleidoscópio de idéias pensantes e pulsantes. Comparações entre os diferentes talentos não devem existir, pois viva a diferença!"
Saiba mais: Lúcia Fidalgo
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